Os anos 60
Frederico Mendes
Conheço muitos jovens com saudades dos anos 60. Para eles uma época mítica e lendária, anos rebeldes. Também tenho saudades, mas não era bem assim...
Não havia internet, Google, cable tv e muito menos fax. Tínhamos que ir à biblioteca para fazermos pesquisas de colégio. Os discos, que eram chamados de "long-plays", de 32 minutos tinham que ser virados para tocar o lado B. Não havia controle remoto e nem telefone sem fio.
Computadores, só em bancos. Ocupavam andares inteiros e só eram compreendidos por quem tinha curso universitário sobre o assunto...
Dentista doía, e muito...
Em compensação a música era melhor, Lennon e George, Jim M. e Jimmy H. estavam vivos. E o Zé Bonitinho e o Zé Trindade apareciam na "Praça é Nossa" e até achávamos divertido, apesar de kistch.
Dava para namorar de noite na praia de Ipanema sem sermos assaltados por pivetes e nem achacados por PMs. Ou vice-versa. PMs que aliás eram chamados de Cosme e Damião, porque andavam em duplas. E usavam gravatas negras. Uma calça Levis 501 custava US$ 7,00 no Mercadinho Azul de Copacabana, paraíso dos importados. O perfume Lancaster vinha da Argentina. Do Paraguai só chegava uísque falsificado. As camisas eram de Ban-lon, ou de malha com psicodélicos jacarezinhos verdes. Aliás, muitos de nós víamos jacarés e macacos verdes e alucinados.
As calças eram de Tergal e não amassavam e nem perdiam o vinco e quem comprasse um terno na Ducal ganhava duas calças iguais.
As moças ainda ficavam incomodadas, até que um gênio da publicidade escreveu: " Incomodada ficava a sua avó!".
E o que seria do amarelo se todos gostassem do vermelho?
Perto da minha casa, a uma distância de no máximo 15 minutos a pé, havia 18 cinemas. A Brigitte Bardot e a Sophia Loren ainda eram umas gatas, e contávamos pinups pulando a cerca até cairmos no sono, nossos wet dreams noturnos. A Sonia Braga tirava a roupa todas a noites na peça Hair. E o Wilker era só um ótimo ator.
As meninas nos dividiam entre os pães e os muquiranas. Pão era o Alain Delon. O Paul MacCartney também, apesar de que as meninas mais cabeça já preferiam o Lennon. Sorte minha.
Os carros só possuíam rádios AM (!) e eram Fuscas, Dauphines, Gordinis, Dkws e Aero Willis. E o elegante Simca Chambord, com mini rabo de peixe e tudo. Mas sem ar-condicionado. Sol não causava câncer, mas mesmo assim nos protegíamos com Rayto de Sol, o único argentino que chegava até nossas praias...
Camisinha só nas incursões à zonas mui perigosas.
As torcidas de futebol só gozavam com as caras dos outros nas derrotas, sem brigas e sem violências, numa época onde porra e pentelho eram palavrões e não ficavam bem na boca de ninguém. Aliás, até hoje...
Os discos dos Beatles (e filmes) demoravam meses para serem lançados aqui. Mas quando chegavam eram uma festa, festa mesmo com todo mundo dançando yê-yê-yê. As meninas alisavam o cabelo com ferro de passar e só gostavam de garotos de cabelos lisos, até 1966, quando surgiram os primeiros hippies. E foi aí, com os meus cachos que arrumei a minha primeira namorada, época dessa foto aí de cima.
As câmeras eram analógicas, manuais e muito mocorongas.
Havia festivais de bossa nova onde cantavam jovens promissores, tipo um garoto chamado Francisco de Holanda, e mais Edu Lobo, Nara Leão, Carlos Lyra.
Vinicius morava no meu prédio em Copa, me dava boa tarde e me gozava quando o seu Garrincha fazia gols no meu Mengão.
Acreditávamos no amor eterno...
Havia uma ditadura e amigos desapareciam, como que encantados por um bruxo mau, para sempre. No que parecia ser uma noite eterna, havia uma tênue esperança de luz no fim do túnel. Alguns, mais pessimistas, diziam que era um trem na contramão...
Pichávamos paredes com palavras de ordem contra os militares. Passeávamos em passeatas, no centro da cidade, que sempre acabavam, em grossa pancadaria, repressão das "otoridades" e muitas prisões.
Mas a gente era feliz. E sabia disso, mesmo quando vivíamos na fossa. Que aliás eram volúveis e voláteis e sujeitas a dias de sol e noites de lua cheia.
Achávamos que não veríamos o século XXI e 2001, além de ser um grande enigmático filme (para os reles mortais e burgueses), era uma data abstrata e distante.
Nos saudávamos uns aos outros com um simples:
"Paz e amor"
E acreditávamos nisso...
Escrevi sobre saudades dos anos 60 e isso motivou vários jovens, de cinqüentões a outros de verdade. Como o espaço é pouco, muitas recordações foram deixadas de fora. Se ainda tiverem tempo e paciência para ler, eis mais algumas, dessa vez da primeira metade da década:
Açúcar não fazia mal. Engordava e causava cáries, mas não era o veneno de hoje. Não havia refrigerantes Diet. E Light era só um clube do qual minha mãe não era sócia, pois me dizia isso sempre que eu deixava a luz do quarto acesa, atrás de mim.
Havia um tal de "Grapette, que quem bebe repete" cuja principal característica era a de deixar a língua roxa.
Nas festas, brincava-se de pêra, uva ou maçã. Pêra era aperto de mão, uva, abraço, maçã, beijo. As mais afoitas escolhiam logo salada mista de frutas. Mas nunca dei a sorte de escolher tamanha iguaria...
Legal foi quando o Bob`s de Copacabana inventou o queijo quente, e ia bem com a novidade do suco de uva. Pouco depois lançaram a salada de atum e a de ovos, mas essa não era muito popular, porque dava gazes e tínhamos que mostrar que a mão não estava amarela. Confesso que até hoje nunca entendi qual era a relação entre a flatulência e a cor da palma da mão.
Trocava-se de mal apertando os dedos mindinhos, as pazes com os polegares. Em uma era pré-Aids fazíamos pactos de sangue. Éramos dramáticos até a morte extrema. E tudo era prenúncio de uma tragédia grega ou de fotonovela italiana da revista Grande Hotel. Os atores tinham até fã-clube no país. E causavam suicídios.
Brigávamos na rua por bobagens tipo "não mete minha mãe no meio, senão eu meto no meio da tua.". E quando alguém do prédio acima jogava água (ou outros) para acabar com a balbúrdia, gritávamos:
"Joga a mãe junto, amarrada a um piano!"
Imagino que era para ela cair mais rápido.
Alguns começavam a fumar bem cedo para se sentirem mais velhos, charmosos que nem o Paul Newman, gostosas como a Kim Novak. E macho mesmo fumava só cigarro sem filtro, tipo Continental.
Eu experimentei um tal de "Cigarros Consul" porque era mentolado, mas ainda bem que tossi tudo o que não tinha direito na frente da guria que queria impressionar. Salvo pela tosse e pelo mico.
Nos cinemas era proibido comer e beber. E alguns beijos mais afoitos eram devidamente iluminados pelo lanterninha. Se reincidissem no delito eram colocados para fora. Muitas boas reputações foram destruídas em matinês.
Menina que ia à Barra da Tijuca de noite ficava falada para o resto da vida. Se fosse de lambretta então, já estava no inferno. E não casava mais. Apesar de que alguns cirurgiões diziam que sabiam como restaurar virgindades.
Para nós, garotos, sexo só com as revistinhas do Carlos Zéfiro, que ainda não era cult, não posava na capa de disco da Marisa Monte. Revista Playboy só importadas, e alguns pais as mantinham guardadas junto com os bônus do Tesouro Nacional em cofres. E mesmo assim nelas não podiam aparecer pelos e nem a perereca da vizinha. Que aliás a Dercy Gonçalves, que já era velha na época, tão bem popularizou na música " A Perereca da Vizinha Está Presa na Gaiola". Um clássico do cancioneiro carnavalesco, como veremos depois.
Não havia esse negócio de viajar para Búzios com o namorado. Búzios era uma vila de pescadores, quase nos cafundós, e só ficou famosa depois que o namorado brasileiro de Brigitte Bardot levou-a para fugir dos paparazzis que a perseguiam no Rio. BB depois voltou para cá e dava tanto mole pela cidade que já a chamavam de "arroz de festa".
Algumas reputações de Hollywood eram destruídas nos bailes de Carnaval. Todos se lembram do galã másculo Rock Hudson agarrado aos beijos e barrancos com um fuzileiro naval na piscina do Copa, enquanto a orquestra tocava Cidade Maravilhosa. Música que encerrava os bailes, de clubes ou das ruas cercadas por cordas, onde ficávamos dando voltas agarrados nas meninas, vestidos de tirolês ou havaianas. E ao som de uma bandinha xexelenta(?) tocando músicas de duplo sentido, ou até meio explicitas, tipo: "olha a cabeleira do Zezé, será que ele é...", ou" foi ele que botou o pó (de mico) em mim". É claro que as meninas avançadas trocavam o ó por au...
E sempre ajeitando os sarongues.
Aliás, as sandálias havaianas eram chamadas de japonesas e homem só podia usar as de cores escuras. E mesmo assim só para ir à praia.
Camisa vermelha era coisa de viado. Ou pederasta, como as famílias diziam dos filhos dos outros. Mas havia muito pai que era cego.
No começo de 1964, só quando a Beatlemania explodiu no mundo foi que tudo começou a mudar.
Pela primeira vez na história, jovens começavam a formar opiniões e a mudar o comportamento vigente de então.
Descobríamos a liberdade. Que não era só um jeans azul e desbotado do anúncio da US Top. Ela era real e para sempre.
Mal sabíamos que em 1º de Abril, o dia da mentira, um golpe militar de direita iria mergulhar o país na mais longa noite, na escuridão, no caos e no medo.
Uma noite de 21 anos.
Publicado no fotolog do Frederico (www.fotolog.net/frederico_mendes)
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